Nascida na cidade de Floraí, estado do Paraná, a professora Sônia Maria de Souza Pereira mudou-se aos 8 anos de idade para a Bahia, onde reside até hoje, especificamente na região metropolitana de Salvador. É casada e mãe de três filhos, sendo dois gêmeos recém-nascidos.
Formada em Pedagogia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Sônia cursou uma especialização em Psicopedagogia e está cursando outra, na área de Educação Inclusiva, a fim de aprimorar sua atuação como professora, função que exerce no 5º ano do Ensino Fundamental, em uma Escola Municipal da Prefeitura de Salvador.
Autora do livro Bullying e suas implicações no ambiente escolar, o qual resultou de sua monografia de conclusão do curso de Pedagogia, ela gentilmente concedeu uma entrevista para o Sempre um Livro, que se dedicou à leitura do referido livro ao longo do mês de fevereiro/2013. Trata-se de uma tentativa de explorar algumas partes da obra, apresentando-a e aprofundando alguns pontos. Para maiores informações, a leitura do livro é recomendada!
Ivan – Sempre um Livro: Professora Sônia, muito obrigado por participar desta entrevista, que vai servir para as discussões do nosso Grupo de Leituras sobre o tema, além de levar outras pessoas à reflexão sobre este fenômeno. Conte-nos um pouco do livro: ele é resultado de sua monografia de conclusão do curso superior de Pedagogia, certo? Por que abordar o tema Bullying?
Professora Sônia Maria de Souza Pereira: Na época, quando tomei conhecimento sobre o tema, em 2005, quase ninguém sabia de que se tratava, então achei que seria legal me aprofundar sobre o assunto e daí surgiu o interesse em fazer a minha monografia sobre o tema.
Ao tomar conhecimento sobre o bullying, percebi que esse tipo de violência sempre aconteceu nas escolas, inclusive comigo mesma. Claro que, na minha época de escola, as gozações não me atingiam tanto, embora ficasse chateada. Mas atualmente isso se tornou um grande problema, pois as nossas crianças não sabem lidar com isso.
I: E as suas pesquisas prosseguem?
S: Tentei continuar. Inclusive, quando fiz [a especialização em] Psicopedagogia, fiz outra monografia com o tema, buscando na Psicopedagogia subsídios para trabalhar o tema na escola, inclusive com os profissionais da escola. Depois disso, fiz algumas palestras e minicursos sobre o assunto (em Fortaleza, em Minas, aqui em Salvador e em Camaçari), mas o meu emprego acabou por tomar quase todo o meu tempo e acabei deixando a minha pesquisa e outros sonhos de lado. E agora tenho os bebês e vou esperar eles crescerem um pouquinho para poder fazer qualquer outro projeto.
I: Muito bem. E na sua atuação como professora, chegou a aplicar algum dos mecanismos de controle/combate ao Bullying de que você fala no final do livro?
S: Tentei. Em minha sala uso muito o Círculo de Qualidade, uso muito o diálogo, mas é muito difícil acabar com a violência, pois ela está muito arraigada em nossa cultura e não temos o apoio da maioria dos pais. Trabalho em escola pública [municipal de Salvador], tive bons alunos (no momento estou afastada pelo nascimento dos bebês), controlei um pouco as gozações e piadas em sala, mas no recreio era difícil.
I: Ao longo do livro, você aponta a dificuldade de se delimitar precisamente o que caracteriza o Bullying (e o chama de “problema de difícil detecção” (p. 11)), de tal forma que ele possa ser identificado e combatido. Em sua revisão de literatura (aliás, o método adotado no texto (p. 10)), há algumas definições até agora dadas. Você acredita que é possível dar uma caracterização definitiva para o Bullying? Se sim, qual seria ela?
S: Segundo a própria literatura sobre o tema, e isso consta no livro, o tema está bem delimitado e definido. E ainda que em nossa língua não tenha sido encontrada palavra que abrangesse tamanha variedade de conceitos e problemas a ele relacionado. [Mas] como, no Brasil, estrangeirismo vira logo moda, a palavra emplacou de vez.
I: É um ponto a ser abordado: existe uma certa dificuldade terminológica com relação a este fenômeno. Alguns países chegaram a adotar neologismos, enquanto outros, como parece ser o caso do Brasil mais recentemente, acabou por manter o termo em inglês bullying. Esta abordagem do termo tem alguma pretensão de estruturação conceitual? Ou melhor: não adotar um neologismo ou outro termo é uma forma de remeter, conceitualmente, o fenômeno à sua raiz semântica do termo em inglês?
S: Parece que sim, pois os grandes pesquisadores brasileiros, quando explicam o porquê do uso da palavra inglesa, explicam que, em nossa língua, não há termo que seja tão abrangente quanto o problema em questão, e que o termo inglês se origina de bully que significa valentão.
O termo bullying foi adotado, no Brasil, em 2005, na Conferência Internacional Online School Bullying and Violênce [e] foi bem aceito. Hoje já é bem conhecido a ponto de as pessoas o usarem indistintamente para todo tipo de implicações, até em ambiente de trabalho. Neste local, o termo que deveria ser usado é “assédio moral”.
I: É mais um aspecto interessante: as ocorrências em diversos locais. Mas vamos focar na Escola. Já no começo do texto – mas também ao longo de todo ele – você aponta que uma das características do Bullying escolar é a possibilidade de sua ocorrência no que chama de “espaços neutros” da Escola, tais como corredores, pátios e banheiros (p. 11). Isso o torna menos detectável e, também, menos combatível? Existe a possibilidade de a Escola fazer uma abordagem dos comportamentos nestes locais, que não se paute pela pura vigilância, e que combata o Bullying?
S: A escola tenta, como sempre tentamos, através de diálogos, mas durante o recreio é muito difícil. São muitos os espaços e poucos os profissionais. A presença constante da família na escola, e não somente quando chamada, contribuiria nesse controle, porém a maioria dos pais, mesmo quando chamados, não comparecem.
Melhorar a educação doméstica e a maior participação dos pais nesse processo ajudaria muito. Precisamos educar as crianças desde cedo para a moral e a ética. Educá-las também para serem críticas, pois a televisão mostra programas que despertam para a violência e o consumismo sem critério algum. Diante disso, e da pouca presença dos pais, por conta de compromissos externos, a educação fica comprometida.
I: Sim, e no capítulo 2 do seu livro, há uma interessante colocação sobre como, atualmente, os comportamentos violentos (no geral) têm sido alvos de uma superexposição midiática, e que isso é um dos fatores que podem influenciar na ocorrência de comportamentos violentos na Escola. Diante deste cenário, corre-se o risco de crer que a luta contra a violência na Escola é maior mesmo que os próprios potenciais da instituição, haja vista que o tipo de sociedade ora em voga é o que está atrelado a esta espécie de voyeurismo da violência, e não bastaria atuar somente na Escola para que uma mudança ocorresse. Qual sua visão sobre isso?
S: Nos manter próximos aos nossos filhos, manter sempre um diálogo aberto, somente assim, talvez, conseguiremos reverter a situação aí posta. Claro que não é solução definitiva e não resolve tudo, mas já é um começo. Estamos cercados das mais variadas formas de violência: no ambiente em que vivemos, na televisão e nos jogos. As crianças e os jovens passam horas na frente de uma TV ou computador, vivenciando essa violência e o apelo sexual e consumista por muito tempo, e isso reflete em seu comportamento.
I: Aliás, grande parte dos comportamentos violentos têm determinantes extra-Escola, conforme dito no livro. Então, como agir para que eles não mais afetem o ambiente escolar?
S: A mim isso parece uma ideia utópica. Acredito que a presença dos pais na vida da criança e do adolescente afetaria de modo positivo a sua vida pessoal e acadêmica. Mas pensar num meio para que a violência não atinja a escola, a meu ver, seria mudar a forma com que a mídia expõe a violência e o apelo consumista. A escola deve trabalhar essa exposição demasiada de forma a tornar nossos jovens mais críticos e menos crentes de que a violência e o alto consumismo resolvem nossos problemas e frustações.
I: As pesquisas sobre o Bullying são recentes – em nível mundial e, especialmente, no Brasil. Assim, o tema não é devidamente trabalhado na formação dos professores e, em decorrência disso, estes profissionais não se capacitam para encarar o problema. Na sua visão de especialista, há como reverter isso, pelo menos a médio prazo?
S: Apenas capacitar professores não resolve. A família também deve conhecer o bullying e o tema também deve ser tabalhado com os alunos, pois quando eles se comprometem na busca de soluções, eles cumprem o acordo.
Trabalhar junto com os alunos, deixando que eles participem na busca de soluções e se comprometam em não praticarem violências uns com os outros, em pouco tempo a convivência fica mais pacífica.
I: É preciso, portanto, conscientização sobre o problema. Mas os possíveis sintomas detectáveis em uma vítima de Bullying, conforme seu levantamento, não são por demais genéricos, de forma a dificultar o rápido diagnóstico e combate ao problema?
S: Sim, eles são genéricos, porém foram médicos e psicólogos quem os detectaram. E não foi somente aqui no Brasil. Pesquisas em Portugal, Itália, Inglaterra, entre outras, demonstraram esses como os principais sintomas nas vítimas, agressores e testemunhas do bullying.
I: Professora Sônia, muito obrigado, em nome do Sempre um Livro, pela sua atenção. Certamente a discussão sobre o Bullying será muito rica com a leitura de seu livro e com as informações aqui colocadas. Obrigado!