Arquivo do mês: maio 2014

Encontro de 17 de maio de 2014

No último encontro do grupo, no dia 17 de maio de 2014, a obra discutida foi O médico e o monstro, de Robert Louis Stevenson.

O clássico livro que fez das figuras de Dr. Jekyll e Mr. Hyde duas lendas da história da literatura foi discutido com base em diferentes traduções e também com o auxílio de informações biográficas sobre o autor. Chegamos à constatação de que, enquanto romance policial (o que não parece ter sido a intenção de Stevenson), o livro não é dos melhores, pois durante a história surgem vários “pontos cegos”. Por outro lado, em relação à apresentação do aspecto “monstruoso” da alma humana, o livro mostra-se como uma grande apresentação literária.

VOTAÇÃO

Para o próximo encontro, a realizar-se no dia 07/06, foi escolhida como obra a ser lida Hamlet, de William Shakespeare. Também entraram na votação Antígona, de Sófocles, O senhor das moscas, de William Golding e Cacos para um vitral, de Adélia Prado.

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A aguda síntese da alma humana

por Pedro Uchôas

“Ser miserável entre os miseráveis,
– carrego em minhas células sombrias
Antagonismos irreconciliáveis
E as mais opostas idiossincrasias.”
1

O homem, desde muito tempo, segue em conflito interno, em uma disputa infindável, em uma guerra contra o seu próprio eu. Estar em vida significa não apenas estar vivendo, mas sim arcar com os pesos da existência como ser humano. Existir como ser humano perpassa pelas dificuldades da própria natureza do homem, e daí nascem conflitos causadores de desespero. Não se pode ser apenas bom ou mesmo apenas mal. Por dentro de cada um existe a vontade, pelo menos momentânea e circunstancial, de ter compaixão, de ser útil, de poder ajudar alguém e possuir uma natureza de altivez. Mas, por outro lado, a raiva, os impulsos violentos e todo o tipo de ódio também compõem a realidade de um ser-que-vive e que se percebe como tal.

Em “O médico e o monstro”, de Robert Louis Stevenson, publicado em 1886 com o título de “O estranho caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde”, o conflito é figurado na pele do médico Dr. Jekyll e do curioso, assustador e frio Mr. Hyde. Com o foco na pessoa de Mr. Utterson, personagem que se inquieta com os estranhos acontecimentos em torno de Dr. Jekyll, a novela identifica o conflito da dualidade da natureza humana e mostra a tentativa falha de isolamento e de aniquilamento da má natureza.

Mr. Utterson, de “áspero semblante; frio, escasso e enleado em palavras; arredio em sentimentos; franzino, comprido; enxovalhado; lúgubre; mas ainda assim algo simpático”2, encontra-se em estado de pasmo ao se deparar com um ato de pura maldade, ao ver Mr. Hyde pisotear uma criança em plena rua por motivos que ele mesmo não poderia dizer, injustificáveis. Ao perceber o que acontecia, logo se pôs a investigar que criatura seria aquela capaz de fazer algo de tamanha monstruosidade.

Mr. Hyde, por sua vez, tantas vezes descrito como “carro de Juggernaut infernal”; possuidor de um “olhar assustador”, “de uma deformidade qualquer” ;”altaneiro como o Satanaz”; não parecia se preocupar com seus atos, demonstrando uma frieza sem tamanho.

Grande amigo de Jekyll, Mr. Utterson começou a se preocupar com o médico, uma vez que este, a partir do ataque de Hyde, parecia possuir uma ligação com o cruel homem e passou a se isolar e a evitar encontrar os antigos amigos. O doutor era um grande admirador das boas companhias, e de repente não mais se preocupava como antes com os encontros costumeiros com aqueles com quem matinha uma boa relação.

Após um período de tempo, um assassinato marcará a narrativa. A cruel e “simiesca”3 agressão a Danvers Carew, atribuída a Mr. Hyde, coloca Mr. Utterson em uma dedicada investigação acerca do motivo daquelas ações cometidas pela “criatura assustadora e causadora de pasmo”, já que ele possuía, aparentemente, uma ligação com o seu amigo Jekyll. Stevenson, para demonstrar como a personagem de Utterson seria incumbida da investigação de Mr. Hyde acerca do que ele era, chega a escrever em uma das falas daquele: “Se ele é Mr. Hyde, eu serei Mr. Seek – pensou ele.”4 Fica aqui explícita a própria construção de uma personagem que será explicada futuramente. Hyde viria do inglês “hide”, que significa “esconder-se”. Portanto, desde então, a personagem de Hyde assume a identidade de algo que permanece escondido, como uma natureza oculta em cada homem, e “seek”, no português, significa “procurar”. Daí um jogo de procurar e esconder que se estabelece entre as duas personagens.

Logo após o assassinato de Carew, que fora espancado brutalmente por uma bengala que, de tanta violência, se partiu, Utterson identifica o objeto utilizado na investida violenta como uma bengala que ele mesmo havia dado a Jekyll, demonstrando realmente que eles possuíam algum tipo de ligação.

Jekyll passa a desaparecer e torna-se cada vez mais inconstante. A preocupação que se desenvolve por ele durante toda a narrativa começa a assumir um alto grau, e Utterson vai até a casa do médico para inspecionar o seu desaparecimento repentino. Um pouco antes, o advogado Mr. Utterson recebera uma carta de seu amigo que só poderia ser aberta após a morte do mesmo. O que seria tal carta? Por que tanto sigilo? Estaria Jekyll perto da morte?

Lanyon, também amigo do doutor, falece e deixa um suspense no ar ao demonstrar uma estranha e repentina queda da própria vontade de viver. Ele parecia assustado e impactado de uma forma brutal. Em conversa com Utterson, após testemunhar um fato em que Jekyll estaria envolvido, logo antes de morrer, chega a dizer:

Não quero mais ver nem ouvir falar no Dr. Jekyll, disse ele em voz alta e insegura. Estou farto dessa pessoa; e suplico-lhe que me poupe qualquer alusão a quem considero morto… Algum dia, Utterson, depois que eu estiver morto, você talvez venha a saber a razão e a não razão disto. Eu não posso lhe dizer.(STEVENSON, Robert Louis, pág.309).

Após tais acontecimentos e investigações, Jekyll desaparece por um longo período de tempo e Poole (criado de Jekyll) não tarda a visitar Utterson. Sua reivindicação era a ajuda do advogado para arrombar a porta do laboratório onde o doutor havia desaparecido há muito tempo. A porta é arrombada e lá dentro os dois encontram Hyde caído e portando algumas cartas. Uma delas, escrita por Lanyon, explica muito bem o acontecimento que tanto o assustara: a transformação de Hyde em Dr. Jekyll. Ao assistir o acontecimento assustador, Lanyon teria declarado a morte do amigo.

Por fim, Hyde e Jekyll eram a mesma pessoa. Em uma das cartas caída junto ao corpo da monstruosidade falecida, o doutor deixou escrita a explicação para a sua experiência química. Ao perceber o quanto o ser humano é dual, ele teria tentado criar uma tintura que pudesse isolar aquilo de ruim que existe no homem. As doses de tal tintura começaram a pedir cada vez mais intensidade de uso e, perdendo o controle, o esforço agora não era mais o de isolamento da parte má, mas sim o resgate daquilo que existia de bom dentro dele. Sua natureza má gritava e clamava por espaço, e a supressão do seu eu tão repudiado criava uma vontade de liberdade.

Durante dois meses, fui contudo fiel à minha determinação; durante dois meses levei uma vida de tamanha severidade como jamais tinha podido atingir, e tive por compensação o beneplácito da minha consciência. Mas o tempo enfim começou a obliterar a viveza dos meus receios; os louvores da consciência já iam sendo coisa banal; comecei a ser torturado por agoniados anseios, como se Hyde lutasse em mim para libertar-se; e, por fim, num momento de fraqueza moral, tornei mais uma vez a preparar e a sorver a beberagem transformadora. (STEVENSON, Robert Louis, pág.343).

A utilização constante da droga transformara Jekyll em um ser de dupla realidade: ao dormir era o médico, ao acordar era o monstro. Aquilo o consumiu de tal forma que não mais suportava viver sabendo que sempre estaria dividido entre os dois seres.

A todas as horas do dia ou da noite, assaltava-me um tremor premonitório; acima de tudo, se eu dormia, ou sequer cochilasse um momento na minha cadeira, era sempre como Hyde que me acordava. Sob a tensão de tal sentença contínua e iminente e pela insônia a que agora eu me condenara, ai!, em grau ainda maior do que eu julgara possível a homem, tornei-me, na minha própria pessoa, uma criatura roída e esgotada pela febre, extremamente débil de espírito, e só preocupada com um pensamento: o horror pelo meu outro eu. Mas quando eu dormia, ou quando tinha fim a virtude do remédio, eu saltava quase sem transição (pois as dores da transformação eram diariamente menos acentuadas) na posse de uma fantasia transbordante de imagens aterradoras, de uma alma a arder de ódios infundados, e de um corpo que não parecia o bastante forte para conter as tempestuosas energias da vida. (STEVENSON, Robert Louis, pág. 348).

Não suportando mais existir e estar constantemente dividido entre um homem de boa índole e uma criatura próxima ao próprio Satanaz, Jekyll põe fim à própria vida.

A modificação do título, ao se traduzir a obra do inglês, deu-se por motivos de venda e a partir do intuito de despertar um maior interesse pela novela, uma vez que um longo e pouco atrativo nome (“O estranho caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde”) poderia dar lugar à um novo, sensacionalista e mais atrativo “O médico e o monstro”.

Sendo assim, à título de exposição, cito o final da carta de Jekyll:

Daqui a meia hora, quando eu de novo e para sempre reassumir essa odiosa personalidade, sei que, derreado nesta minha cadeira, estarei tremendo e chorando, ou que então continuarei, com a mais viva e medrosa acuidade, a caminhar de cá para lá nesta sala (meu último refúgio terreno) e a prestar ouvidos ao menor ruído de ameaça. Hyde morrerá no cadafalso, ou encontrará coragem para libertar-se no último instante? Só Deus sabe; e isso pouco me preocupa; esta é a verdadeira hora da minha morte, e o que está para suceder refere-se a outrem que não eu. (STEVENSON, Robert Louis, pág. 350).

E após a leitura e o estudo da obra, Hamilcar de Garcia dirá: “Mais do que um estudo sobre o desdobramento da personalidade e um símbolo das lutas entre o bem e o mal, o caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde pode ser reconhecido como uma aguda síntese da própria alma humana.” (GARCIA, Hamilcar, pág. 278).

Aqui, pois, no momento em que largo as teclas do computador e termino o texto, ponho fim à vida do desventurado Henry Jekyll.

1 ANJOS, Augusto. Eu e outras poesias, pág.133, Porto Alegre, L&PM pocket.

2 STEVENSON, Robert Louis. Obras-primas da novela universal, pág. 281. Tradução: Hamilcar de Garcia. São Paulo, Livraria Martins Editora S.A.

3 Do símio, próprio dele ou semelhante a ele.

4 STEVENSON, Robert Louis. Obras-primas da novela universal, pág. 299. Tradução: Hamilcar de Garcia. São Paulo, Livraria Martins Editora S.A.

 

Bibliografia:

STEVENSON, Robert Louis. Obras-primas da novela universal. Tradução: Hamilcar de Garcia. São Paulo, Livraria Martins Editora S.A.

ANJOS, Augusto. Eu e outras poesias. Porto Alegre, L&PM pocket.

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Questões de “O Idiota” e uma abordagem bíblica da obra presente de Dostoiévski

por Pedro Uchôas

Todos nós estamos sentados em uma cafeteria. Do lado de fora, inúmeras pessoas passam, mas o que eu posso ver são apenas pernas. Por mais que eu me esforce para compreender o que por trás de toda a mecânica mobilidade de cada um fulgura (os seus objetivos, os rumos, os caminhos já trilhados), nada posso encontrar. Nada mais justo. Pelo menos assim, posso me divertir alucinadamente ao construir idas e vindas da maneira como eu bem preferir. Esse é o ofício mais estranho que já se teve notícia. Quem, por exemplo, passa horas analisando mundos e construindo teorias explicativas sobre aquilo que não pode ter acesso? Ou, melhor ainda, por que um homem, de dentro de uma cafeteria bem climatizada, se dispõe a estruturar e buscar explicações para um mundo além daquele que vive? Esse é o ofício do pensador. Hoje não faremos coisa diferente. Aqui, de dentro do aconchego deste lugar, falaremos sobre Deus, sobre a natureza do homem e sobre o embate entre a Lei de Cristo e a Lei da personalidade.

Buscando completar o bom texto já escrito sobre a obra “O idiota”, fiz uma concisa abordagem direcionada para alguns aspectos que penso que são de grande importância. Em primeiro lugar, gostaria de elogiar a construção da obra e lembrar que, por mais que ela tenha sido escrita em um curto período de tempo, cerca de dois anos, passou por um árduo processo de feitura. Em meio à crises epiléticas, Dostoiévski planejou a obra em oito partes, tendo, por fim, apenas quatro. Durante a escrita, acabou perdendo uma filha que parecia, em meio a tormenta da doença e do vício em jogos, um escape sentimental e alguma esperança que ainda reluzia.

A personagem central da obra é o príncipe Míchkin, colocado, durante o romance, como um “homem perfeitamente belo” (Araújo, Paulo Afonso). Nele prevalece a ausência de egoísmo e vaidade. Vindo da Suíça, tratara-se recentemente da “idiotia” a que estava submetido, corretamente chamada de epilepsia. O que Fiódor faz é colocar em sua personagem uma doença que ele mesmo possuía e com a qual travava um grande embate. Durante a escrita de “O idiota”, ele passava por momentos difíceis, e chegou até a ter uma crise tão forte da tal doença que permaneceu impossibilitado de escrever por 20 dias. Um retrato pintado com pinceladas “quixoteanas” e cristãs, o príncipe, em sua hábil construção, possui traços de Jesus cristo, Dom Quixote (personagem de Miguel de Cervantes) e Pickwick (personagem de Charles Dickens).

Foi a figura de Dom Quixote – Dostoiévski revela-o numa carta à sua sobrinha, Sofia Ivanova – que lhe trouxe primordialmente a inspiração do Idiota. Pensou ele em criar o tipo de Quixote cristão. Ao mesmo tempo, outro tipo, que não é mais do que um Quixote inglês, o Pickwick, de Dickens, vinha reforçar as sugestões do primeiro. São bem conhecidas as aventuras desse herói dickensiano. Mister Pickwick é um bom burguês, com cerca de cinquenta anos, corado, bochechudo, possuidor de largos rendimentos e com um fundo enternecedor de ingenuidade. Os inúmeros casos em que ele se envolve, sempre iludido na puerícia de sua boa fé, conservando, apesar de tudo, a mesma atitude de bonomia, otimismo e confiança nos homens, constituem o enredo do romance, até hoje lido com o maior encanto. (BROCA, 1949).

Sendo assim, pode-se estabelecer a característica comum em todos as três personagens: são ridículas e burlescas. (BROCA, Brito).

De maneira recorrente, na obra completa do autor, um conflito parece afligir grande parte das personagens: o conflito entre a Lei de Cristo (amar o homem como a si mesmo) e a lei da personalidade (o ego e os desejos individuais). (ARAÚJO, Paulo Afonso). Parece-me que em Míchkin, as duas coisas andam juntas, quando o que mais existe é o desejo de fazer o bem e o amor pelo próximo que preenche o interior desse Jesus Cristo quixoteano. E é aí que se vê a possibilidade da existência de tal personagem, uma vez que “o egoísmo humano sempre impedirá a plena realização do ideal de Cristo na terra” (ARAÚJO, Paulo Afonso), e Míchkin não perpassa a dificuldade de tal conflito. É o conflito do desejo individual com o amar ao próximo como a si mesmo, quando a individualidade do ego trava um embate com a universalidade da lei cristã. E justamente, em uma sociedade moralmente decadente, o aparecimento de um homem como Míchkin causa numerosos conflitos, ao parecer que na inserção de tal homem perfeitamente moral em tal sociedade, a sensação mais presente, por parte das pessoas que o cercam, é a de estranhamento, tornando-o, em meio a todos, um idiota. Mas, Míchkin, apesar de tudo e todos, não abre mão de seu comportamento humanista. No Santo Evangelho, podemos tomar como referência à compenetração de Jesus em sua obra de amor e compaixão e à atitude de Míchkin na terra, um versículo: “Então Jesus disse: Quando tiverdes erguido o filho do homem, então havereis de entender que eu sou, e que por mim mesmo nada faço, mas falo tudo conforme o Pai me ensinou.” (Santo Evangelho, Pág. 325). Não diferente, Míchkin está profundamente apegado à missão de amor e compaixão de seu “Deus pai”.

Para não colocar em dúvida a procedência cristã de Míchkin, Dostoiévski, em uma das principais passagens de “O idiota”, insere relatos muito similares aos de Jesus Cristo no evangelho de João (BEZERRA, Paulo). Na maior das falas, Míchkin afirma, ao dizer sobre Marie, uma mulher tuberculosa por quem tinha extremo carinho, cuidado e compaixão:

Nessa ocasião eu lhe dei oito francos e pedi para conservá-los porque eu já não teria mais dinheiro, depois lhe dei um beijo e lhe disse para não pensar que eu tivesse alguma má intenção e que estava beijando não porque estivesse apaixonado por ela, mas porque tinha muita pena dela e desde o início não a considerava culpada de coisa nenhuma, apenas a achava infeliz. Tive muita vontade de consolá-la naquele instante e lhe assegurar que ela não devia se considerar tão baixa diante de todos, mas parece que ela não entendeu. Agora eu o percebo, embora ela tenha passado todo o tempo quase calada e postada à minha frente com os olhos embotados e uma terrível vergonha. Quando eu terminei, ela me beijou a mão e quis beijá-la mas ela a puxou rapidamente. Súbito as crianças olharam para nós, toda uma multidão; depois fiquei sabendo que elas vinham me espionando há muito tempo. Começaram a assobiar, a bater palmas e a rir, e Marie precipitou-se a correr. Eu ia querendo falar mas as crianças passaram a me atirar pedras. (DOSTOIÉVSKI, 2010, p. 95).

A partir de uma breve visita ao Santo Evangelho, pode-se encontrar referências a tal fato como a perseguição de Cristo pelos fariseus (BEZERRA, Paulo). Míchkin afirma, ao demonstrar a tentativa de diálogo inicial com as crianças, a partir do trecho que se segue, a dificuldade em dialogar com aqueles que não o ouviam de início, e que não compreendiam o que ele estava fazendo, ou mesmo o que queria dizer : “as vezes elas paravam e ouviam, mesmo que insultassem”. Um trecho do evangelho de João ilustra melhor a situação, ao, nas palavras de Jesus, dizer: “Eu sei que sois filho de Abraão, mas procurais matar-me porque minha palavra não penetra em vós”.1 E, diretamente demonstrando a semelhança proposital com a história de Jesus Cristo, pode-se analisar ainda o mais famoso versículo do capítulo 10 do mesmo evangelho, que diz: “Os judeus pegaram novamente pedras para o apedrejarem”.2

Desta maneira, Míchkin caracteriza-se como o reflexo literário da essência cristã de amar o próximo como a si mesmo e do cuidado, do amor e da compaixão para com os outros. Tal personagem é a mais pura, sutil, doce e magnífica representação cristã de uma cultura ortodoxa unida à defesa da superioridade eslavófila dos costumes russos em contraposição à cultura ocidental.

1Santo Evangelho, Edições Paulinas, 1970, Capítulo 8 V. 37, Pág. 326.

2Santo Evangelho, Edições Paulinas, 1970, Capítulo 10, V. 31, Pág. 333.

Bibliografia

ARAÚJO, Paulo Afonso. A emergência da concepção trágica da vida.

______. Os grandes romances e a filosofia.

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. O Idiota. Tradução de Paulo Bezerra. Editora 34: São Paulo, 2002.

______. O Idiota. Tradução de José Geraldo Vieira. Editora Livraria José Olympio: Rio de Janeiro, 1949.

Santo Evangelho. Edições Paulinas: São Paulo, 1982.

 

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