O PROVINCIANO COSMOPOLITA: DRUMMOND E O SENTIMENTO DO MUNDO
Rogério Arantes
Após a elaboração de um texto que fala um pouco sobre a vida e a obra de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), escrevo hoje, de maneira bem mais breve, um texto falando especificamente da obra que nós, membros do Sempre um Livro, estamos lendo no momento: Sentimento do Mundo (1940). Com nosso próximo encontro a realizar-se no sábado próximo, pretendo com este texto já dar algumas ideias para a abertura de discussão.
O terceiro livro de poemas do escritor mineiro começa com uma de suas mais famosas frases: “Tenho apenas duas mãos/ e o sentimento do mundo”. De cara já nos deparamos com temas constantes dentro de toda obra de Drummond e que (é importante ressaltar) passaram por várias transformações no decorrer dessa obra. Os temas são o eu e sua importância/insignificância (“tenho apenas duas mãos”) frente ao outro grande tema, o mundo (“e o sentimento do mundo”).
Essa relação eu x mundo talvez seja o principal mote da obra drummondiana. Não é atoa que nos resumos para vestibular que tratam de obras de Drummond1 aparece a divisão didática: “eu maior que o mundo”, “eu menor que o mundo” e “eu igual ao mundo”.
Embora não pretenda me ater a esta divisão (penso que dá pra falar de outras faces da obra de Drummond), vou segui-la pra dizer que Sentimento do Mundo poderia ser considerado o livro de transição entre a fase “eu maior que o mundo”2 e “eu menor que o mundo”.
Transição essa que não se dá de maneira definitiva e estanque. A obra de Drummond e dialética e ao ir se desenvolvendo carrega junto às “novidades” as coisas que ficaram para trás (temporalmente falando). Sentimento do Mundo é então uma obra confluente, que tem aquele toque gauche, mas que também se abre de vez para o mundo, como nos diz Murilo Marcondes de Moura:
Não se pretende postular a “comunicabilidade” da poesia de Drummond, que é essencialmente difícil, mas mostrar como o desejo de alargar-se em direção aos outros homens e ao mundo é um de seus impulsos fundamentais.
Esse elã expansivo, para o qual o poeta se sensibilizara desde a infância interiorana, adquire plena atualidade justamente com o livro Sentimento do Mundo. (MOURA,2012,p.54.)
Seguindo esta chave de leitura fica fácil compreender a brincadeira que dá título a este texto. Ao iniciar uma obra com um poema falando do sentimento do mundo e logo em seguida um poema que fala do passado e da pacata Itabira, Drummond parece sugerir mesmo essa ideia de alguém que carrega consigo, de maneira bem marcante, tanto a província, o interior, o introspectivo quanto a vontade de expansão, o cosmopolitismo, as lutas do mundo, enfim. Retomando mais uma vez o posfácio de Murilo Marcondes Moura, da bela edição da Companhia das Letras para Sentimento do Mundo, lemos:
Ocorre que Sentimento do Mundo é antes um livro de tomada de consciência do que de adesão franca às lutas do mundo. É livro ainda de interiores, em que se processa o ajuste de contas do sujeito consigo mesmo, anterior à sua saída para a rua, que é, como se sabe, uma posição fundamental do eu lírico na poesia de Drummond. Se é que esse dobrar-se implacável do sujeito sobre si mesmo não seja também uma das constantes do poeta.(MOURA,2012,p.60.)
É como se o disciplinado funcionário público dissesse ao escritor: arrume a casa, pra depois sair pra rua. Ocorre que nessa “arrumação”, poemas bem “mundanos” já podem ser lidos, como é o caso de “Congresso Internacional do Medo”, “Os Ombros Suportam o Mundo”, “Mãos Dadas”, “Elegia 1938” e “Mundo Grande”, por exemplo. O que não exclui, de forma alguma, o toque melancólico e introspectivo de “Confidência do Itabirano”, “Bolero de Ravel” e “Lembrança do Mundo Antigo”.
Esse jogo dialético de Drummond levanta questões literárias, sociais, existenciais… Penso que a discussão de sábado deverá se pautar por esses temas e espero que esse singelo texto dê um rumo para todos os membros do grupo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do Mundo. – 1ª ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
1Em tempo: a obra Sentimento do Mundo figura na lista de obras do vestibular da FUVEST, de 2013.